A fabulosa fé dos ateus

Os adoradores do Acaso

Poucas coisas me admiram mais, neste mundo, do que a assombrosa fé dos ateus.
Eles não acreditam em Deus, mas acreditam cegamente no Acaso. Se você lhes perguntar: “Como surgiu o mundo? Como apareceu a vida? Como se processaram as coisas para que se desse algo de tão extraordinariamente complexo, preciso, ordenado e fantástico como é o organismo de um besouro ou de uma gazela? Como se produziu a maravilha extasiante de um olho: o cristalino, a córnea, a retina, a íris, o seu funcionamento harmônico em precisa conexão com o sistema nervoso, com o cérebro, com o sistema circulatório...?”, invariavelmente o ateu responderá: “Foi por Acaso”. Você pode perguntar: “Um acaso só?” Ele sorrirá com ar de suficiência e esclarecerá, como se segredasse a sabedoria aos ignorantes: “Milhões, milhões de Acasos, meu amigo, ao longo de milhões de anos”. E a palavra milhões — que não explica, sozinha, absolutamente nada — o deixará perfeitamente satisfeito, como se fosse a explicação genial, “racional” e completa de toda a questão.

No entanto, os que se têm dado ao trabalho de analisar cientificamente as possibilidades de que apenas duas dúzias desses milhões de acasos se produzissem, chegam à conclusão de que, pelo cálculo de probabilidades, essa conjunção de eventos fortuitos, perfeitamente concatenados, é tão improvável que, na prática, fica sendo impossível. Não há probabilidade alguma que consiga explicar satisfatoriamente como, do nada, possa surgir algo; ou que, da matéria inerte — numa cadeia de mirabolantes casualidades — venham a brotar a paineira, a onça, o dourado e o gavião.
E, já que falamos em bichos, talvez o leitor ache interessante uma afirmação feita por um cientista da NASA, altamente qualificado nesses assuntos. É muito mais provável — dizia este professor — que uma lagartixa, um camundongo e um pardal façam por acaso (só passeando, arrastando e deixando à toa pedacinhos de metal, areia, etc.) um computador de última geração, do que o pretenso surgimento do universo — desde as galáxias até às borboletas — sem que tenha havido como causa de tudo uma Inteligência suprema, criadora, ordenadora e providente, ou seja, sem Deus.
Só pelo raciocínio, sem necessidade de fé, grandes filósofos pagãos como Platão e Aristóteles — insuperados em muitas das suas idéias — chegaram à conclusão de que o mundo postula, racionalmente, a existência de um Criador, que é pura Inteligência e puro Poder. Qualquer cristão bem formado sabe, de fato, que não precisa da fé para chegar ao conhecimento da existência de Deus e dos seus atributos (inteligência, poder, bondade, etc.), porque, para isso, basta a razão. Aqueles que o ateu julga “crédulos”, neste ponto são muito mais racionais do que ele.
Qual é a pauta da “vida boa”?
O que acabamos de considerar tem enorme importância quando se pensa na qualidade moral da nossa vida. Quando e por que podemos dizer que agimos bem ou que agimos mal? Quando se pode afirmar que fizemos o certo ou que fizemos o errado? Há, por acaso, algum princípio, algum valor seguro, alguma pauta clara que permita avaliar a bondade ou a malícia dos nossos pensamentos, palavras e ações?
Talvez alguém diga: “Sim, a pauta é a nossa consciência”. Quem diz isso está afirmando que o que fazemos de acordo com o que a nossa consciência sente é bom, e o que fazemos contra a voz íntima da consciência é errado.
A resposta parece boa —e está certa, sem dúvida, a segunda parte —, mas talvez não reparemos que dizer que é bom o que fazemos de acordo com a nossa consciência — sem mais — é uma afirmação equivalente a dizer que termos olhos é sempre o meio certo para enxergar a estrada que devemos seguir com o carro, ou com os nossos pés. De acordo com misso, se perguntarmos: “Há algo que nos permita afirmar se o dia é claro ou escuro, se perto de nós há gente ou não, se pela rua vem vindo carros, se alguém nos aponta uma arma?”, a resposta deverá ser sempre: “Sim, a nossa vista”.
Só que essa resposta, enunciada de maneira tão simplista, é uma estupidez. Todos sabemos que a vista pode ser boa ou má, sadia ou doente, nítida ou confusa, ou até cega e nula. Uma má vista pode confundir uma janela do vigésimo andar com a porta de acesso à escada do prédio e levar a pessoa de boa fé a despencar e morrer. Exatamente a mesma coisa acontece com a consciência. Em princípio, poderia e deveria enxergar o bem, o justo, o certo, mas para isso precisaria estar sadia, e não moralmente doente. Infelizmente, a consciência não é Deus, nem é uma voz pura e infalível (por exemplo, Hitler, Goering e Goebbels acreditavam firmemente que a monstruosidade de eliminar os judeus era um dever de consciência para o bem do mundo; e em consequência, enchiam de vítimas as câmaras de gás, seguindo fielmente essa sua “consciência” desvairada) . Tal como a vista, é evidente que a consciência pode estar doente, gravemente doente, e ter, então, erros fatais de avaliação e, portanto, de conduta moral.
Não nos esqueçamos de que, afinal, a consciência é um juiz, que avalia uma decisão a tomar, uma conduta, uma omissão, e diz: “Isto está certo”, “Isto não tem nada demais”, “Isto está errado”. Mas, nesta avaliação, o que é absolutamente decisivo é saber qual é o referencial, a “norma de valor” que permite julgar o certo e o errado. Por que você diz “isto está certo”? Com base em quê? Há ou não há “valores”, “verdades” morais que iluminem sem erro a nossa consciência? Há valores que permitam dizer, com lucidez e segurança: “Isto está bem, isto está mal”? Há, enfim, normas que sinalizem e balizem sem engano o caminho da vida, da “vida boa”, certa e honesta?
Nesta matéria, tudo depende da posição que se adote. Se é a dos que só acreditam no Acaso, a “pauta”, a “norma” moral terá umas características (ou nenhuma, como veremos); se é a dos que sabem que existe um Deus criador e ordenador do universo, terá outras.Tudo é permitido?
Justamente pela relação que tem com este assunto, vem a propósito lembrar um bem conhecido episódio do romance de Dostoievski, Os Irmãos Karamázovi. Os três irmãos estão no centro do enredo, juntamente com um criado do pai, filho bastardo deste e, portanto, meio-irmão dos três. O intelectual da família, Ivã Karamazov, repete filosoficamente a famosa frase: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Essas palavras gravam-se na mente doentia e descrente do meio-irmão, Smerdiákov, e levam-no a assassinar, por ódio e cobiça, o pai. No final do romance, o parricida justifica-se cinicamente perante Ivã, dizendo que nada mais fez do que aplicar a filosofia deste: dado que para ele — ateu como Ivã — Deus não existia, nada o impedia, moralmente falando, de matar o pai.
E não deixava de ter a sua razão. Com efeito, se Deus não existe, se tudo apareceu por uma conjunção fortuita de acasos, se não passamos todos do resultado de muitas cegas coincidências sem sentido nem orientação, se somos apenas matéria que, por mera ciranda de casualidades, deu de ter dois braços, duas pernas, dois olhos e a capacidade de ser consciente — se as coisas são mesmo assim, então, que sentido tem falar do bem, do mal e dos valores morais? Esses pedaços de matéria pensante que seríamos nós, jogados sem nenhuma explicação nem finalidade sobre a terra, por que haveriam de ter mais lei do que a da bruta matéria sem alma, por que não se ocupariam exclusivamente, com feroz voracidade, de aproveitar-se ao máximo de tudo, e de defender-se ao máximo de tudo e de todos os que incomodassem?
Sem lei nem rei
É impossível falar em bem e mal, em verdades morais que sejam normativas, em valores válidos e estáveis num mundo assim; isso seria tão absurdo como falar da rota certa de um barco que não tem rumo predeterminado, nem bússola, nem carta de navegação, e se limita a rodopiar loucamente no centro de um redemoinho. Se não se admite a existência de Deus criador, não há modo de encontrar uma base sólida, um fundamento firme para uma lei moral digna de ser tomada em consideração pela nossa consciência. E, realmente, até agora, todas as tentativas de elaborar uma ética sem Deus têm sido falhas. Quando muito, o ateu pode chegar a “fabricar” uma moral de puras convenções, de acordos passageiros e arranjos circunstanciais, mas essa “moral” não tem referenciais claros que delimitem a fronteira entre o bem e o mal; então, torna-se uma farsa e, no meio dessa comédia, a consciência não passa de uma bailarina esquizofrênica. Não pode ser séria a consciência que dança como um urso domesticado, conforme o pandeiro que, a cada momento, tocam as eventuais conveniências e os arranjos interesseiros.
Deste modo, sendo tudo relativo, chega-se a aberrações como as que o nosso século vem contemplando: hoje o racismo é um mal abominável — e é mesmo, aos olhos de Deus —, mas já foi julgado um bem gloriosíssimo em vários países, em pleno século XX (veja-se o Terceiro Reich, a África do Sul e parte sensível da população da América do Norte); hoje, matar crianças não-nascidas e acabar com velhos e doentes incômodos (eutanásia) é considerado um bem, um avanço das sociedades “progressistas”, mas, durante milênios, foi julgado um assassinato covarde e vil. Se Deus não existe, tudo fica no ar, tudo é relativo: vale qualquer coisa, ou seja, impera o caos. No epicentro do caos, que espécie de consciência terá a possibilidade de julgar?
Pensando nisto, talvez Riobaldo, o jagunço protagonista de Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa, tenha tanta razão como Ivã Karamazov. O nosso sertanejo diz, a certa altura: “Se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma”. Sábio Riobaldo! Sim. O que se pode fazer, se nada tem sentido, se nada tem valor, se nada vale nada, se nada leva a nada? Assim não se pode viver.
Ciência ou conto de fadas?
No meio desta barafunda, o curioso é que o descrente, depois de ter minado as bases da moral, não se resigna a viver sem moral. Gosta de falar da sua “consciência” e da sua “moralidade”; adora ser considerado “honesto”, “correto”, “cumpridor do dever” e “ilibado”. Indigna-se de ser chamado corrupto. Como conseguir isso “nas areias movediças de um relativismo total”, onde “tudo é convencional, tudo é negociável”? (João Paulo II: Encíclica Evangelium vitæ, n. 20).
A solução, para o materialista ateu ou agnóstico— ou para o seu equivalente, o cristão sem fé nem convicções — é relativamente simples. Ou, por outra, as soluções são simples, porque, no mínimo, são duas.
A primeira consiste em tergiversar, em esvaziar de sentido e de conteúdo os valores morais autênticos (os que o crente vê contidos na lei de Deus: a justiça, o amor, a sinceridade, a fraternidade...) e embutir neles um novo sentido deturpado. A bela palavra, porém, continua a ser mantida e valorizada, pelo seu magnetismo e o seu prestígio moral. “Amor”, por exemplo, que bela palavra! Tem ainda muito prestígio? Então, conserva-se e até se apresenta como sagrada e intocável; mas muda-se-lhe o sentido: emprega-se agora exclusivamente para designar o sexo descomprometido, egoísta e animalizado. A mesma coisa se faz com os “derivados” do amor e, assim, ao adultério chama-se “namoro”; à garota de programa e à prostituta cara “namoradas”; à licenciosidade, “liberdade”. E a palavra “família”, libertada da sua “ridícula” acepção “convencional” (pai, mãe e filhos) passa a aplicar-se a um rancho abagunçado de mulher com o seu “namorado” de turno, mais três ou quatro ex-maridos — os tios —, e vários filhos, que já são incapazes de identificar o seu próprio pai; ou, então, de pares ou “casais” das mais variadas espécies, gêneros e combinações.
O segundo expediente do materialista consiste em fazer moral na base de afirmações gratuitas, autênticos “dogmas de fé” proclamados com o aprumo de quem possui o carisma de infalibilidade.
Temos que agüentar tais afirmações, monotonamente repetidas, por exemplo, na questão do aborto. Com incansável perseverança, um punhado de deputados federais, adeptos de uma ideologia política relativista, laicista e atéia, proclama, com a solenidade de quem define um dogma, que a lei deveria permitir o aborto até aos três meses, ou seis, ou nove meses de gravidez, pois até esse limite de tempo o feto não é ainda ser humano. Novidade? Não, velharia. Mas afirmada e repisada com majestosa empáfia. Caso perguntemos as “razões”, o fundamento racional para esse conceito e essa lei, a resposta será o silêncio, simplesmente um “porque sim”, “porque estamos de acordo em afirmar isso”, uma vez que não há razão nenhuma — filosófica, antropológica, biológica, etc. —, que permita dizer que somos seres humanos noventa dias depois de sermos concebidos e não o somos aos oitenta e nove dias. Por que não noventa e um ou cento e três? Ninguém sabe responder. A moral relativista só é capaz de “convenções” — “é assim porque convencionamos que assim fosse”— , nunca de “convicções” e, menos ainda, de “verdades”. À falta de verdade racional, precisa de inventar o dogma laicista, a “fé irracional”.
Isto é o que faz o descrente e os seus congêneres. Pratica constantemente o que ele acusa os cristãos de fazer: — “Vocês querem impor crenças, convicções de sua fé à legislação de um país laico, não-confessional. Isto é intolerável!”.
Ora, o que se dá no caso do aborto — e em muitos outros — é exatamente o contrário. Os abortistas descrentes querem impor-nos um ato de fé, muito mais violento que os que eles dizem que a Inquisição requeria: “Creio que só somos homens a partir do terceiro, sexto, sétimo ou nono mês, creio sem prova nenhuma, sem ciência nenhuma, sem razão nenhuma”. Pelo contrário, os que acreditam em Deus são os que, neste caso, em vez de invocarem a fé, apelam apenas para a razão e para a ciência. Porque, cientificamente, está mais do que provado que, desde o primeiro momento da concepção, já existe um ser humano pleno e em marcha, em desenvolvimento, exatamente o mesmo ser humano — geneticamente, biologicamente — que será aos cinco anos, ou aos quinze, ou aos sessenta. Um dos maiores geneticistas modernos, o professor francês Jerôme Lejeune, descobridor da etiologia da síndrome de Down, foi convidado certa vez como perito por um tribunal americano que julgava um crime de aborto: as razões científicas que apresentou em favor do caráter humano do feto foram de tal ordem que reduziu ao silêncio os que as contraditavam. Como vemos, quando os crentes combatem o aborto, estão sendo racionais, e, quando os ateus o defendem, estão fazendo e pretendendo impor — mais uma vez — um incrível ato de fé.

Saindo para a luz
Mas saber que Deus existe, poder olhar o mundo e a vida a partir dessa certeza, é como sairmos à luz do dia, após termos vagueado, errantes, por um labirinto de sombras que jamais conduzirá à parte nenhuma.
Luz solar para a vida é, com efeito, contemplarmo-nos a nós mesmos como aquilo que realmente somos: obra de Deus, feitura de Deus, seus filhos.
Deus criador, certamente, não fez o mundo de maneira impensada, como que por um descuido; seria absurdo só imaginar isso. Deus criou o mundo e, dentro dele, o homem, agindo como quem é: a suma Sabedoria, o supremo Amor.
Isto significa, para já, que o homem não só não é fruto do acaso, como é o fruto de um pensamento e de um querer divinos. Para expressá-lo com a nossa linguagem comum: o homem — como, de resto, toda a criação — é um projeto idealizado por Deus. Desde sempre, esteve na mente de Deus o modelo ideal do ser humano e, ao mesmo tempo, a idéia exata daquilo que é a verdade e o bem do homem, daquilo que o pode levar à plenitude e à felicidade. Essa idéia do bem do homem, concebida pela Sabedoria de Deus, é precisamente a lei moral, que a teologia cristã chama lei eterna (porque existe eternamente em Deus e é válida eternamente, para todos os seres humanos).
Santo Tomás, concisamente, resume a questão dizendo que a lei eterna — norma moral suprema para a consciência do homem — é “a razão da divina Sabedoria que conduz tudo ao devido fim” (Suma Teológica, I-II, quest. 93, art. 1). O que equivale a dizer: a Sabedoria divina “sabe”; a Sabedoria divina conhece a razão por que isto e não aquilo é um bem para o homem. Em suma, só Deus conhece perfeitamente o que o homem é e aquilo que o conduz à sua realização.
Essa idéia, esse plano sobre o homem, Deus o descortina nos mandamentos da sua lei: fundamentalmente, nos Dez Mandamentos. É exatamente isso que a Encíclica Veritatis splendor de João Paulo II recorda com limpidez: “Deus, que é o único bom (cf. Mt 19,17), conhece perfeitamente o que é bom para o homem, e, devido ao seu mesmo amor, o propõe nos mandamentos” (n. 35).
Nesta última frase aparece uma expressão interessante: “propõe”. Isto quer dizer que os mandamentos “mandam”, certamente, mas não nos são “impostos” à força por Deus. O ser humano foi criado livre; não é pura matéria, cegamente submetida a umas leis físicas às quais não se pode subtrair. Dotado por Deus de uma alma espiritual e imortal — imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26) —, o homem é chamado a atingir o seu fim de modo consciente e voluntário, livremente. E é a sua consciência que, conhecendo a lei que lhe propõe o bem, deve julgar se — em conformidade com essa lei — as suas escolhas e as suas ações estão certas ou erradas.
“Na intimidade da consciência — lê-se na Constituição Gaudium et spes do Concílio Vaticano II —, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e a fazer o bem e evitar o mal, no momento oportuno a voz dessa lei soa-lhe nos ouvidos do coração: faze isto, evita aquilo [...]. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem, que será julgado de acordo com essa lei” (n. 16).
Já desde os primórdios do Cristianismo, o ensinamento moral apresentava a decisão livre de obedecer “à voz dessa lei” como absolutamente determinante do significado e do bom termo da existência. A Didaqué ou Doutrina dos doze Apóstolos, um escrito cristão do século I, começa assim: “Há dois caminhos: um da vida e outro da morte. A diferença entre ambos é grande”. O caminho da vida — explica — consiste em amar a Deus e o próximo e observar todos os outros mandamentos. Pelo contrário, quem despreza os mandamentos e se entrega às paixões, hipocrisias, orgulho, adultério, rapinagens, etc., esse envereda pelo caminho da morte. “Filho, fica longe de tudo isso”, exorta o autor anônimo desse antiquíssimo escrito (itens I e II).
Se o homem observar, com fé e amor, a santa lei de Deus, andará na verdade (Jo 3,4) e viverá (Lc 10,28). Se optar pela falsa lei do egoísmo e da conveniência, perderá a vida (Mt 16,25-26).
O “não” positivo que permite dizer “sim”
Não sei se reparou, mas cada proibição da lei de Deus, quando bem entendida, é o não imprescindível para poder dizer um sim amoroso e feliz. Se Deus nos proíbe que odiemos, e nos manda dizer não ao ódio, é para que possamos dizer um sim total ao amor, para que fiquemos liberados para o amor sem fim. Se Deus nos diz: “Não pecarás contra a castidade”, “Não cometerás adultério”, é para que, dizendo não ao sexo egoísta, possamos dizer sim ao amor profundo e fiel, vivido com a alma e com o corpo, dentro do matrimônio santo, generoso e fecundo. Dizer não à devassidão e à impureza é “afirmar jubilosamente” — como dizia São Josemaria Escrivá — que a castidade é própria de enamorados que sabem entregar-se e aprendem a dar-se, iluminando o mundo com o seu “dom” sorridente...
Este é um dos preciosos ensinamentos da Encíclica Evangelium vitæ de João Paulo II, que assenta a defesa da vida — contra os crimes do aborto e da eutanásia — sobre as bases firmes do preceito negativo: “Não matarás”. Vale a pena transcrever alguns trechos:
“Os mandamentos de Deus ensinam-nos o caminho da vida. Os preceitos morais negativos, isto é, aqueles que declaram moralmente inaceitável a escolha de determinada ação, têm um valor absoluto para a liberdade humana: valem sempre e em todas as circunstâncias sem exceção. Indicam que a escolha de determinado comportamento é radicalmente incompatível com o amor de Deus e com a dignidade da pessoa humana, criada à sua imagem […].
“Já neste sentido, os preceitos morais negativos têm uma função positiva importantíssima: o «não» que exigem incondicionalmente aponta o limite intransponível abaixo do qual o homem livre não pode descer, e simultaneamente indica o mínimo que ele deve respeitar e do qual deve partir para pronunciar inumeráveis «sins», capazes de cobrir progressivamente todo o horizonte do bem, em cada um dos seus âmbitos” (n. 75).
Este é o magnífico panorama que a lei divina desvenda à consciência moral. Estando, como estamos, tão propensos a saltar fora do caminho, a afundar no egoísmo, a errar e perder-nos, é natural que o fato de descobrir essas verdades nos mova a elevar a Deus um cântico de agradecimento por ter inscrito nos nossos corações, e ter-nos ensinado tão claramente, pela Revelação divina, o caminho santo da lei: Quanto amo, Senhor, a vossa lei; durante o dia todo eu a medito...; os vossos mandamentos são a verdade; a vossa palavra é um facho que ilumina os meus passos, é uma luz no meu caminho; correrei pelo caminho dos vossos mandamentos, porque sois Vós que dilatais o meu coração (Sl 119,32.97.105.151).

(Adaptação de um texto do livro de F. Faus: A voz da consciência)
Do Site: http://padrefaus.googlepages.com/ateus

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